quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Dar tempo é violência

"Não conheço algo mais irritante do que dar um tempo, para quem pede e para quem recebe. O casal lembra um amontoado de papéis colados. Papéis presos. Tentar desdobrar uma carta molhada é difícil. Ela rasga nos vincos. Tentar sair de um passado sem arranhar é tão difícil quanto. Vai rasgar de qualquer jeito., porque envolve expectativas e uma boa dose de suspense. Os pratos vão quebrar, haverá choro, dor de cotovelo, ciúme, inveja, ódio. É natural explodir. Não é possível arrumar a gravata ou pintar o rosto quando se briga. Não se fica bonito, o rosto incha com ou sem lágrimas. Dar um tempo é se reprimir, supor que se sai e se entra em uma vida com indiferença, sem levar ou deixar algo. Dar um tempo é uma invenção fácil para não sofrer. Mas dar um tempo faz sofrer pois não se diz a verdade. Dar um tempo é igual a praguejar 'desapareça da minha frente'. É despejar, escorraçar, dispensar. Não há delicadeza. Aspira ao cinismo. É um jeito educado de faltar com a educação. Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes. Quando se dá um tempo é que não há mais tempo para dar, já se gastou o tempo com a possibilidade de um novo romance. Só se dá o tempo para avisar que o tempo acabou. E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo. Quem conta beijos e olha o relógio insistentemente não está vivo para dar tempo. Deveria dar distância, tempo não. Tempo se consome, se acaba, não é mercadoria, não é corpo. Tempo se esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que sobrou do seu voo. Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola. Odeia ser enganado com sinônimos e atenuantes. Odeia ser abafado, sonegado, traído por um termo. Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo. Dar um tempo é uma ilusão que não será promovida a esperança. Dar um tempo é tirar o tempo. Dar um tempo é fingido. Melhor a clareza do que os modos. Dar um tempo é covardia, para quem não tem coragem de se despedir. Dar um tempo é  um tchau que não teve a convicção de um adeus. Dar um tempo não significa nada e é justamente o nada que dói. 
Resumir a relação a um ato mecânico dói. Todos dão um tempo e ninguém pretende ser igual a todos nessa hora. 
Espera-se algo que escape do lugar-comum. Uma frase honesta, autêntica, sublime, ainda que triste. Não se pode dar um tempo, não existe mais coincidência de tempos entre as duas. Dar um tempo é roubar o tempo que foi. 
Convencionou-se como forma de sair da relação limpa e de banho tomado, sem sinais de violência. 
Ora, não há maior violência do que dar o tempo
É mandar matar e acreditar que não se sujou as mãos."
(Fabrício Carpinejar)



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